terça-feira, 11 de setembro de 2012

Crónica de uma avó (vale a pena ler)

Este texto foi-me enviado hoje por e-mail (obrigada Gonçalo) e achei que o devia partilhar aqui. A autora (que adoro ler) é a Isabel Stilwell e a crónica foi escrita para a Pais e Filhos, em Fevereiro do ano passado.

Vale a pena ler!!

Tudo o que me tinha esquecido sobre ser mãe
Diário de uma avó galinha, fev de 2011, por Isabel Stilwell

Ficaram sozinhas comigo dois dias e meio. E mais importante ainda, duas noites. Sozinhas comigo é uma força de expressão porque o batalhão de gente que tinha para me ajudar era grande, mas sozinhas comigo no sentido de que a Ana mas «entregou» e eu me senti a responsável máxima por tudo o que lhes dizia respeito.
E aquelas 48 horas acordaram dezenas de memórias recalcadas, que registo neste diário de avó galinha. Passo a enumerar:
Tinha-me esquecido da quantidade de tralha que um bebé tráz consigo, e do esforço de organização que uma pobre mãe precisa para ter direito a dois dias sem os filhos. Biberons, esterilizador, latas de leite, pacotes de fraldas, fraldas de pano, garrafões de água, roupa, claro, e agora papas e sopas, e babetes claro, para não falar de «ovos», espreguiçadeiras e carrinho caso seja preciso levá-las à rua... Não admira que, nesta fase, aquilo que uma mãe mais ambiciona é que sejam uns elfos a mudarem-se lá para casa e a tomar conta de tudo, não admira que receba com raiva o comentário de amigas solteiras, ou de um marido inconsciente, do estilo: «Agora nunca queres ir a lado nenhum!»
Tinha-me esquecido da exigência permanente que é ter dois bebés a cargo. Entre um e outro, não se faz absolutamente mais nada.
Tinha-me esquecido de como exaspera ver interrompidos os momentos em que estamos entretidos com qualquer coisa que nos dá prazer, nem que seja ver uma série na televisão, tomar um banho de imersão ou simplesmente redigir um mail com mais de vinte linhas.
Tinha-me esquecido (quer dizer esquecer não, afinal foram três filhos e 15 anos sem dormir, e essas coisas não se esquecem), do que são as noites intercortadas por chuchas que caem (ainda ninguém inventou uma forma de as fixar à boca? Velcro?!), biberons que é preciso dar, fraldas que temos de mudar. E de como se instala rapidamente o trauma do medo de não dormir: basta um gemido, e os olhos abrem-se com um «Oh não, vai acordar, é melhor ir lá já!», para depois voltar para a cama a contar pelos dedos as horas que ainda faltam até o Sol nascer de novo.
Tinha-me esquecido de como o encadeado de tarefas nos deixa zombies, e em menos de nada passamos a seres atarantados, capazes de arrumar as chaves do carro no frigorífico, e os casaquinhos de malha na dispensa. E de como comer uma refeição do princípio ao fim se torna uma miragem...
Tinha-me esquecido de como os momentos em que se consegue sair à rua sozinho, nem que seja para ir entregar um impresso a uma repartição de Finanças, têm o sabor de uma clareira de liberdade que permite recarregar as pilhas para o regresso à base.
Tinha-me esquecido da aflição que aperta o coração quando não sabemos porque choram, nada os sossega, e insidiosamente se instala o medo de que seja alguma coisa grave, até que entre soluços e suspiros adormecem como anjos nos nossos braços...
Tinha-me esquecido de tudo isto, porque os bebés têm uma magia poderosa, que apaga rapidamente os maus momentos, e deixa gravados apenas aqueles que nos enchem a alma, porque os bebés nascem com a capacidade de nos escravizar com os seus sorrisos e gargalhadas, com o olhar que nos faz sentir únicos no mundo.
Por isso, antes que me volte a esquecer de tudo isto, queria tirar o meu chapéu aos pais. São heróis, heróis verdadeiros, porque nem sequer consta que o Super-Homem passasse noites sem dormir....

Ver aqui texto original, na revista Pais e Filhos

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