sexta-feira, 17 de junho de 2016

"A bisa não está cá mas continuamos a contar os anos"... e tudo o que quisermos!



Há um mês confortei-vos à distância. Uma semana antes tínhamos ido a correr, de um dia para o outro, e a bisa Dulce esperou por nós. Não queria ir sem se despedir.

Deixou-nos aterrar. Ainda nos deu mimos durante uns poucos dias. Deixou-vos partir primeiro e depois partiu ela.

A vossa bisa Dulce partiu há um mês. Não foi de avião como vocês foram para Londres, nem de carro como íamos para Madrid. Não sei como ela foi. Ninguém sabe. Mas acredito que está no céu e espero que um anjo muito querido a tenha levado pela mão. A sorrir-lhe e a dar-lhe festinhas como aquelas que ela tanta vezes nos deu.

Ela partiu depois de um dia bom, ou menos mau do que os que lhe antecederam. Vocês já não estavam lá. Tiveram de regressar entretanto mas a mãe ficou e ela deu-me tantos mimos, pequenos sorrisos e beijinhos para eu guardar para sempre e levar para vocês. Aproveitei tudo!

Mas quando alguém de quem gostamos muito morre há um vazio que não se preenche. Ajuda falar, ajuda chorar. Chorar alivia e faz bem mas às vezes não sai. Lembrar custa mas faz parte! E para a mãe escrever ajuda a organizar o coração e a deixa-lo mais leve.

E foi por isso que escrevi esta carta à vossa bisa, à minha vovó. Comecei a escrever uma semana depois de lhe mandar o último beijo mas esteve incompleta até hoje... não sei explicar porquê.

Porquê escrever uma carta a quem já não a pode ler? Porque o amor verdadeiro não acaba nunca, porque as lembranças ficam connosco para sempre e porque, tal como tu dizes meu Rambinho, "a bisa não está cá mas continuamos a contar os anos". Sim, continuamos! Os anos, que seriam agora 95, as histórias, as recordações, as imagens e tudo o que quisermos.


Querida vovó,

Despedi-me tantas vezes de ti naquela semana. Mas naquele dia, quando te deixei, disse-te até amanhã. 

Estavas desperta, serena, atenta e doce. Se calhar quiseste dizer-me para não me preocupar, que estavas em paz, que estava tudo bem, que tudo ia correr bem. 

Tive-te por perto durante 36 (quase 37) anos. Há seis fui viver para mais longe mas quando voltava sabia que te ia encontrar. Tranquila, sentada a olhar para a janela, feliz por me ver a mim e aos pequeninos. 

Não sei como organizar a tua ausência no meu coração. Diz-me como faço para aprender a viver sem ti como quando me ensinaste as declinações em latim e a poesia em português. Diz-me como faço para transformar este sentimento amargo em algo doce e quente como as tuas compotas e o pão que me ensinaste a fazer.  Diz-me como acalmar esta angústia como tu fazias com aquela cantiga que, em pequenas, nos cantavas para conseguirmos adormecer.  

Deixa-me dar-te mais um beijinho, encostar a minha cabeça à tua, sentir a tua mão apertar a minha. Só mais uma vez! 

Deixaste-nos há um mês queria vovó e a vida continuou. Está mais vazia e ainda bate de forma lenta mas, por enquanto, está bem assim.

Beijinhos meu amor. Olha por nós! Gostamos tanto de ti.


PS - Não quero deixar ninguém triste com este texto. Mas escrever e publicar é a melhor homenagem que posso prestar à minha avó. Uma professora de Português, Francês, Latim e Grego a quem a doença calou as palavras ditas e escritas há muitos anos. Uma maldade do destino que, no entanto, nunca lhe roubou o coração doce e o olhar meigo com que nos falou até ao fim.