quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O homem que caminhava descalço

Hoje, quando estava no carro a levar o pequeno à escola, a espera num sinal vermelho desviou-me o olhar para um homem que atravessava a estrada. Tinha um fato de treino desengonçado, dobrado nos tornozelos, e estava descalço.

De olhar perdido, a cabeça baloiçava de um lado para o outro, às vezes em direcção ao céu, as vezes em direcção nenhuma.

A sola dos seus sapatos era a planta dos pés sujos de quem já havia calcorreado muitas ruas da cidade. Mas a velocidade a que andava não indicava qualquer desconforto com as pedrinhas soltas do alcatrão ou as irregularidades do passeio.

Não estava a pedir, estava a andar, a andar depressa. Passou pela multidão como se ela não existisse, e perdi-lhe o rasto quando dobrou a esquina.

A seguir pensei em muita coisa. Primeiro, na sorte que tenho em nunca ter tido de andar descalça pela rua. Depois pensei no meu filho. Agradeci poder dar-lhe tudo e pedi para que nunca lhe faltasse nada: nem família, nem amigos, nem comida, nem uma casa, nem um “mapa” ou uma “lanterna” que lhe indiquem o caminho, nem uns sapatos para andar na rua.

Depois pensei que este homem, o homem que caminhava descalço, também é filho de alguém. Também tem uma mãe, também tem um pai. Não sei porque não lhe puderam dar uns sapatos. Se calhar ele não quis, se calhar eles não quiseram, não puderam, ou se calhar já não podem ou querem fazê-lo mas não sabem como.

E foi aqui que o meu pensamento se deteve. Nos pais. Não em todos, confesso, mas sim naqueles que querem e não podem ou deixaram de poder dar aos filhos o que até agora nunca lhes havia faltado.
É por estes pais, que sempre trabalharam, que sempre quiseram ensinar o melhor do ser humano aos filhos e que agora estão perdidos porque o “mapa” que tinham já não serve e a “lanterna” que os iluminava ficou sem pilhas, que hoje peço:

Que tenham a oportunidade de se reerguer, de fazer perceber aos filhos que a vida se vive bem de muitas maneiras, e que o carinho e os sorrisos que os pequenos lhes dão em troca consigam apaziguar a sua dor, carregar as pilhas da sua “lanterna” e substituir o mapa por um “gps” movido pelas batidas do coração.

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